quinta-feira, 19 de março de 2009

Fim de semana de protestos na Alemanha

Recebi da ANA -Agência de Notícias Anarquistas


Desconhecidos incendiaram dois carros "Mercedes SLK": A primeira ação aconteceu em uma rua no centro da cidade, o segundo na rua Rhinow, em Prenzlauer Berg. Ambos os veículos sofreram estragos sérios.
Da mesma forma, desconhecidos incendiaram um carro em Treptow. Os moradores alertaram os bombeiros da queima de um "Ranger Rover". Um carro "Golf da VW" estacionado ao lado também foi afetado pelas chamas.
No final de semana, perto de 5000 pessoas se encontraram em Hermann Square, em Neukölln. Com o objetivo de reivindicarem e pedirem a preservação dos espaços livres de Berlim. Também contra a elitização de muitas áreas do centro da cidade. Fato que obriga que muitas pessoas sejam transferidas a outras regiões.
O conceito da manifestação foi concebido por blocos de cores. Ao longo da manifestação era possível ver as casas com bandeiras coloridas penduradas em solidariedade à luta. Em diversos pontos da caminhada de protesto, também se via ações desde os tetos das casas, prédios, com fogos de artifício, lançamento de folhetos e faixas suspendidas desde as alturas.
Em determinado momento os esquadrões da polícia, em tom de provocação, começaram a parar as pessoas por roubo, os manifestantes reagiram atacando um veículo de polícia, que rapidamente salvou o carro, em seguida os ativistas atacaram com pedras e garrafas as patrulhas. A polícia reuniu forças e pouco depois foi em direção aos manifestantes, quatro pessoas foram presas.
Contudo, acabada a manifestação pela rota inicialmente proposta, várias centenas de ativistas foram por outro lado e no caminho vários veículos, vitrines de lojas e um bonde resultaram danificados.
Em Frankfurt Tor um veículo da polícia equipada com alta tecnologia para regular o trânsito foi atacado e virado pelos manifestantes. Também em Frankfurt Tor um manifestante escorregou desde um teto muito alto e sofreu uma ferida profunda na cabeça, ele foi transferido ao hospital. Por toda a noite houve operações da polícia e bombeiros, para apagar focos de incêndios.
De acordo com um comunicado de imprensa da polícia, domingo, um total de 12 pessoas foram presas e 2 agentes da polícia saíram feridos e uma pessoa recebeu uma ordem de apreensão pelo juiz local.

Para ver fotos das manifestações, acesse:

http://www.flickr.com/photos/pm_cheung/sets/72157615258195102/
http://www.flickr.com/photos/kietzmann/sets/72157615311185972/
http://www.flickr.com/photos/stasi20/sets/72157615242315561/

quinta-feira, 12 de março de 2009

A solução de um não-estado na palestina: reflexão sobre a «nação»

Recebi o texto abaixo há alguns dias e julguei-o digno de ampla publicação. Acho que fala daquilo que é fundamental acerca do conflito na Palestina. De fato, devemos dizer NÃO também à qualquer esforço de construção de um estado palestino como "solução". Penso, porém que não se trata apenas de dizer o que deve ser dito. Qual clareza devemos ter na consecução da autodefesa por fora dos esquemas traçados pelo Hammas e outros candidatos à estatização da revolta palestina?


Um problema da «solução» dos dois estados é que a existência de Israel continuará, mas este estado é uma criação artificial, sem legitimidade nenhuma. Por outro lado, toda a região, incluíndo não apenas a palestina histórica, como o Líbano e a Jordânia, resultam do desmembramento artificial, pelos imperialismos francês e britânico, do império otomano, no seguimento da 1ª guerra mundial. São estados artificiais, que estarão sempre em permanente convulsão, por juntarem e obrigarem comunidades diversas a coexistir e ter relacionamento político de uma forma forçada, havendo portanto lugar para várias situações de opressão, quer com base na etnia, na nação, na religião, além da opressão de classe e de género.

Assim, tal como no resto do mundo, a questão do estado na Palestina põe-se de modo agudo. Para que precisam os povos do estado? Não é o estado que promove as guerras? não é o estado que mantém as opressões? Para que precisarão os povos do estado, sabendo-se que não existem povos que não tenham capacidade de auto-gerir a sua vida (a sua produção material e cultural, o seu relacionamento com comunidades vizinhas ou distantes, etc)? Sabemos que a «autoridade» do estado é apenas uma opressão. Não é uma autoridade que emane verdadeiramente de uma vontade popular, da expressão genuína da vontade das pessoas.

Se olharmos por este prisma para a realidade israelo-palestiniana, compreendemos que os estados não são parte da solução, mas sim (e muito importante) do problema.

Renunciar a solucionar os problemas de raíz, só porque outros têm uma visão muito mais curta que a nossa, não será uma indesculpável cobardia intelectual (no mínimo)?

Se nós compreendemos o mal que faz o nacionalismo (quer o israelita, quer o palestiniano) a estas populações, não podemos senão repudiá-lo. São comunidades judaicas, muçulmanas, cristãs e também comunidades sem vínculo a uma religião, laicas, que poderiam viver tranquilamente e desenvolver as suas vidas e tradições na palestina histórica, sem conflitos inter-étnicos, como aconteceu durante séculos, no império otomano. Note-se porém que a ingerência da ONU e das potências na zona, só agravou os problemas, só os perpetuou e complicou.

A solução radica na consciência de que as diversas comunidades têm de se entender, de se auto-organizar sem ingerências, partilhando espaços geográficos da melhor forma possível. Será uma solução vinda de dentro dessas comunidades, não uma solução imposta, forçada de fora, a qual só poderá produzir mais miséria, violência, intolerância.


Vemos o caso deplorável da ex-Jugoslávia, fraccionada em micro-estados sem viabilidade e sustentação política e económica, por vontade da todo-poderosa UE, dos seus estados- -membros mais fortes.

Vemos o caso da África negra, a sangue e fogo permanente, desde as independências, que mais não foram do que a passagem do jugo colonial para o domínio duma burguesia parasitária neo-colonial, totalmente dependente das antigas potências colonizadoras, para se manter no poder. Esta luta pelo poder em África efectua-se usando a bandeira da nação, do nacionalismo, dilacerando povos que não tinham estados-nação formados, com algumas raras excepções, antes da colonização europeia.

Nada de bom pode surgir pelo lado do nacionalismo; não existe «nacionalismo progressista»; é pura contradição nos próprios termos. «Civilização» significou sempre um abolir ou amenizar, um secundarizar, as barreiras, as fronteiras, os obstáculos que separam os povos em «nações» artificiais.

O próprio conceito de nação, como algo distinto do estado, tem pouca utilidade, ao fim e ao cabo. A não ser que usemos o conceito de nação numa forma pouco comum, mas que -por isso mesmo- pode ser mal interpretado, como sinónimo de etnia (portanto reconhecendo «nações» sem estado, como muitos agrupamentos tribais ou supra tribais que existem ou subsistem nos interstícios das «nações-estados» modernas). A nação, a pátria, é um conceito totalmente fabricado, ideológico, que surge no século XIX com o triunfo da burguesia. Nessa época era necessária uma ideologia para que esta burgusia conseguisse manter o domínio, quer sobre as antigas classes dominantes, a aristocracia, quer sobre os deserdados, os proletários, os camponeses arruínados por um desenvolvimento industrial e agrário que fez tábua-rasa da pequena exploração agrícola. Daí a invenção do nacionalismo, associado ao belicismo, à exaltação do heroísmo e do sacrifício «pela pátria». O culminar desta ideologia deu-se com as duas guerras mundiais, que tiveram como local de origem a Europa, local onde foi inventado o conceito de «nação» (a nação como suposta emanação do «povo soberano», necessitando de um determinado «espaço vital», etc, etc)

Igualmente, foi o nacionalismo que activou a conquista mais impiedosa de muitos povos no século XIX, a pretexto de «civilizar» povos sem estado ou com estados mais débeis, os estados-nações europeus auto-designando-se como civilizadores, portadores do progresso a esses confins... O pior da aventura colonial deu-se no século XIX e XX, onde realmente as chacinas ultrapassaram muitas vezes em crueldade as que foram efectuadas nos séculos anteriores. A partir do século XIX, expandiu-se a predação colonialista e com ela o efeito nefasto da peste nacionalista nos 5 continentes. Não se pode esquecer que também houve grandes genocídios nos séculos anteriores, nomeadamente de populações africanas e indías-americanas, por chacinas, escravização e propagação de epidemias.

Mas nos séculos XIX e XX -em nome do progresso, da civilização, do império, da superioridade da «raça» branca, etc- foram cometidas atrocidades sem nome em todos os continentes, tudo isto afinal sob a cobertura do conceito cómodo de «nação»...

Este conceito foi «naturalizado», pelos ideólogos, como se a pertença à nação fosse algo de genético.

Ainda vemos claramente o efeito disso na atitude racista e xenófoba dos europeus em relação aos imigrantes não-europeus (ou mesmo europeus de outras zonas) que vêm trabalhar para os diversos países.

Haverá coisa mais nojenta? Quem incentiva estes comportamentos? Não serão estimulados pelas burguesias que dominam a política dos diversos estados, conseguindo assim desviar dela a raiva dos explorados pela perda de condições de vida, pela intensificação do desemprego, da precariedade, da exploração?

A solução do problema palestiniano ou sua não-resolução durante mais de 60 anos pela ONU e todos os estados envolvidos, mostra-nos que as nações e os estados não fazem parte da solução, mas são parte do problema.

Há que ter coragem de dizê-lo, de explicá-lo, de difundí-lo: só haverá progresso humano, com a abolição das nações, entendidas como estados-nações. Embora as forças conservadoras ao serviço do capitalismo estejam apostadas em avivar esse vírus mortífero do nacionalismo, a verdade é que apenas estão a adiar a emergência da sociedade do futuro, como federações livres de comunidades auto-organizadas e auto-geridas, dsem hierarquias, sem opressões. Todas as tentativas de manter o estado de coisas anterior, do domínio absoluto de «estados-nações», tem como consequência imediata a perpetuação e acentuação das diversas barbáries.

Manuel Baptista